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Building peace in the minds of men and women

Grande Angular

Os seres humanos são uma força geológica

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Left: Francisca Chagas dos Santos in Rio Branco, Brazil, March 2015. Joseph and Endurance Edem with their children, Bayelsa State, Nigeria, November 2012.

Enquanto os avanços tecnológicos modernos nos permitiram prosperar como espécie, podemos ter nos catapultado para fora do cenário evolutivo darwiniano. Os seres humanos adquiriram o papel de uma força geológica, capazes de paralisar uma era glacial – e possivelmente ocasionar outra grande extinção da vida nos próximos 300 a 600 anos. Pode não ser fácil, mas, como argumenta o historiador Dipesh Chakrabarty, não é tarde demais para mudar de rumo.

Dipesh Chakrabarty, entrevista por Shiraz Sidhva

O sr. disse que explicações antropogênicas da mudança climática significam o colapso da antiga distinção humanista entre história humana e história natural. Poderia se aprofundar no tema?

Até recentemente, pensávamos na história humana meramente em termos de história documentada, o que remonta a alguns mil anos. Uma pré-história adiciona mais alguns mil anos. Contudo, a ciência da mudança climática exigiu que pensássemos sobre o papel dos seres humanos na história do planeta desde que eles apareceram. Foi necessário entender quais eram os processos planetários e como o planeta tem conseguido manter no lugar não apenas o clima, que nos é favorável, mas também o oxigênio a 21% da atmosfera por quase 600 milhões de anos.

Quanto mais eu leio sobre a ciência da mudança climática e, em alguns momentos, sobre geologia e biologia, mais eu percebo o quão tarde nós chegamos na história da evolução. E isso não de forma acidental, uma vez que criaturas complexas como os humanos apenas poderiam surgir tardiamente na história da evolução. O planeta desenvolveu a vida, e suas condições se alteraram para, eventualmente, ajudar a manter formas de vida multicelulares complexas. Essa percepção me sacudiu do meu hábito como um historiador moderno – principalmente do Sul da Ásia moderna e do período colonial. Normalmente, eu costumava lidar com um mundo que não tinha mais de 500 anos – as notícias sobre a mudança climática mudaram isso.  

Como muitos historiadores, eu pensava sobre o mundo natural como um pano de fundo, onde os principais atores eram humanos. O pressuposto dentro do qual muitos de nós trabalhávamos – segundo o qual o que importa na história humana é o que os humanos fazem uns aos outros – não parecia falso, mas parecia limitado.

Muito da história contava dois enredos – como os humanos finalmente se libertaram das restrições colocadas sobre eles pela natureza e pelas causas naturais; e como os humanos vieram a pensar em se libertar da opressão de outros humanos.

Como agora me conscientizei a respeito, a história de nossa evolução desempenha um papel muito importante, mesmo em nossas histórias de curto prazo. Por exemplo, os seres humanos nunca poderiam fazer quaisquer objetos que manuseamos sem a premissa de que temos polegares opostos. Essa é uma questão de uma história evolutiva muito lenta, que nós geralmente tomamos como correta. Então, falaríamos sobre os tipos de espadas que os mogóis produziram, ou quais tipos de facas eram usadas em Bagdá – presumindo que sempre há uma mão humana capaz de segurá-las ou empunhá-las. Essa mão também tem uma história muito lenta, que é a história da evolução.

O que o sr. quer dizer quando fala que, atualmente, os seres humanos exercem uma “força geológica”?

Atualmente, as ações humanas estão alterando o clima de todo o planeta. Em conjunto, nós exercemos um tipo de força que é tão grande que pode alterar o ciclo habitual das eras glaciais seguidas por períodos interglaciais – um ciclo de, digamos, 130 mil anos. De alguma forma, adquirimos o papel de uma força geológica – graças à nossa busca de tecnologia, do crescimento populacional, e da nossa capacidade de nos espalhar por todo o planeta.  

Até agora, nós temos pensado nos seres humanos como agentes biológicos, porque fazemos coisas com o nosso ambiente e a nós mesmos, transmitimos doenças etc. Agora, temos de ampliar a nossa imaginação do ser humano – estamos realmente alterando a face do planeta. Não estamos alterando apenas a sua face – um dos lugares do planeta que os seres humanos transformaram, e onde a nossa transformação permanecerá por muito tempo, são os leitos marinhos costeiros – por meio da pesca em alto-mar, da mineração etc. Não é mais possível separar a ação biológica dos seres humanos de sua ação geológica.

Diversos historiadores do longo prazo [aqueles que dão prioridade às estruturas históricas antigas em vez de eventos mais recentes] sugeriram que, à medida que desenvolvemos um grande cérebro e desenvolvemos a tecnologia, nós começamos a crescer em um ritmo muito mais rápido do que o evolutivo. O argumento é que, se tivéssemos desenvolvido a tecnologia de pesca em alto-mar no ritmo em que as mudanças evolutivas normalmente acontecem, então, os peixes também teriam tido tempo para aprender a evitar nossas redes de arrasto. Contudo, nós nos desenvolvemos tão mais rápido do que o ritmo evolutivo que o nosso ecossistema não teve tempo de se reajustar. É uma ideia fascinante a de que essa espécie em particular tenha como que se catapultado para fora do cenário evolutivo darwiniano. E está tendo tamanho impacto na história da vida que muitos biólogos dizem que, nos próximos 300 a 600 anos, nós podemos estar ocasionando a sexta grande extinção da vida.

O sr. poderia explicar sua tese de que a história do capital deve ser cruzada com a história da espécie humana?

As pessoas que estudam o capitalismo não estudam biologia evolutiva. Mas, se o fizessem, encontrariam uma espécie denominada Homo sapiens, que outrora fora capaz de inventar uma sociedade industrial moderna, o capitalismo, ou como se preferir chamá-la, que essa se tornou sua estratégia para assumir o controle de todo o planeta e dominar a vida sobre ele.

A disseminação dos seres humanos por todo o planeta somente foi possível nos últimos milhares de anos. O capitalismo não é tão antigo quanto nós, mas se observarmos o que aconteceu com a chegada das grandes caravelas, e depois os barcos a vapor, poderemos ver que o próprio continente europeu distribuiu sua população por todo o mundo. Dessa forma, alguém não poderia argumentar que o capitalismo foi a estratégia da espécie para dominar todo o planeta? Agora, isso significa a diferenciação entre pessoas ricas e pobres, eu concordo, mas tanto os ricos quanto os pobres são membros da espécie.

Sua observação de que “os pobres participam dessa história compartilhada da evolução humana tanto quanto os ricos” tem sido criticada por alguns de seus colegas. Poderia explicá-la melhor?

Eu estou tão perplexo com a reação de Andreas Malm a algumas das minhas proposições, que imaginei serem praticamente irrepreensíveis, quanto ele está com as minhas declarações. Acredito que a forma como ele interpreta a minha citação em seu artigo (em inglês) está um pouco equivocada. Dá a impressão de que eu sugeri que os pobres são diretamente tão responsáveis quanto os ricos pelas emissões de carbono.

Nunca fiz tal afirmação, pois todos sabem que os pobres não emitem tantos gases de efeito estufa quanto os ricos, e que apenas um grupo de nações é responsável pela maior parte das emissões antropogênicas desses gases. Então, esse não é o ponto. O ponto é que os argumentos da Índia e da China em defesa do uso do carvão e de outros combustíveis fósseis – embora isso esteja sendo ligeiramente atenuado pela redução do preço das fontes renováveis de energia –, com o objetivo de tirar as pessoas da pobreza, adquire relevância pelo fato de que estas são nações extremamente populosas e que o número de pessoas pobres em questão é, de fato, muito grande.

Eu sugeri que a história da população pertence a duas histórias ao mesmo tempo: a história da modernização, de programas de saúde pública, medicamentos modernos incluindo antibióticos – sendo que os combustíveis fósseis contribuem em sua produção –, erradicação de pandemias, epidemias e fome etc.; e a história da espécie humana. Como alguém poderia negar que mesmo os seres humanos pobres pertencem à espécie Homo sapiens? As pessoas pobres não têm polegares opostos? Elas não são parte da nossa história evolutiva?

Nunca, na história da vida biológica neste planeta, nós tivemos uma espécie que foi capaz de se disseminar por todo o mundo – isso aconteceu há milhares de anos, muito antes de haver pobreza generalizada – como fizeram os humanos, e que também ascendeu ao topo da cadeia alimentar em um período tão curto – em termos de tempo evolutivo). Se conseguirmos melhorar a vida de 7 bilhões, ou em algum momento, de 9 bilhões de pessoas, a pressão sobre a biosfera irá apenas aumentar. Contudo, esse não é um argumento contra melhorar a vida dos pobres.

O que eu tentei mostrar em meu trabalho é a implicação do desejo da maioria dos seres humanos de se industrializar e modernizar. Tomemos os exemplos de Jawaharlal Nehru (Índia), Gamal Abdel Nasser (Egito), Julius Nyerere (Tanzânia) e de outros líderes do terceiro mundo das décadas de 1950 e 1960. Todos eles queriam modernizar seus países – não como pessoas que apenas estavam fascinadas pela tecnologia, mas porque pensavam ser mais o mais ético a se fazer. O motivo pelo qual Nehru queria construir barragens era principalmente para produzir mais alimentos – por meio da irrigação – e salvar pessoas que estavam morrendo de inanição.

O foco de pensadores políticos desde a década de 1970 tem sido os direitos humanos e a prosperidade de cada indivíduo humano, independentemente dos números. A mudança climática e as respectivas proposições científicas vieram em um momento em que nós estávamos exatamente desfrutando dessas coisas que os cientistas do clima dizem que podem colocar em risco a nossa existência no longo prazo.


Lucas Williams na área de caça da Fazenda Lawshe na Carolina do Sul, Estados Unidos, outubro de 2015. Anchalee Koyama de pé em águas de inundações no distrito Taweewattana em Bangkok, Tailândia, novembro de 2011.

Em que medida a globalização é responsável por isso?

Nós nos globalizamos nos últimos 30 ou 40 anos, e isso foi possível graças ao aumento das tecnologias de conectividade. Todos gostamos do fato de que podemos nos comunicar com entes queridos do outro lado do mundo de forma cotidiana, ou que podemos voar pelo mundo em questão de horas para explorar outros países, fazer negócios lá, ou visitar os amigos e a família.  

A história da globalização significa que, na verdade, nós passamos a amar o que poderia vir a ser o nosso fim geológico – a capacidade de causar impactos no planeta em grande escala. Contudo, em termos de nossas experiências de vida, vemos isso como uma condição para a prosperidade humana.

Existe uma inércia natural em nós, fruto de vínculos históricos – às instituições, às estruturas familiares, à globalização –, e tudo que somos capazes de pensar é em nosso futuro imediato. Os seres humanos pensam em termos de 70 a 80 anos, de três a quatro gerações, no máximo. Isso torna muito difícil para nós nos unirmos e agirmos de forma sincronizada para combater a mudança climática. Vemos como têm sido difíceis as negociações sobre mudança climática – sob a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima  (UNFCCC, sigla e link em inglês) − Além disso, todos os países também estão dedicados às suas próprias agendas de desenvolvimento.

Agora que estamos cientes que não somos os mestres e os donos da natureza, que tipo de histórias o sr. sugere que contemos?

Eu acho que devemos deixar de contar histórias sobre a arrogância humana. Creio que a história mais antiga, a de que nós controlamos a natureza, foi uma história errada. A história que devemos contar é que aqui está um planeta, que, por nossa sorte, desenvolveu formas de vida complexas. Nós nos formamos aqui e agora sabemos que existe um sistema climático planetário, que os processos planetários – os processos geobiológicos e químicos – são importantes para a nossa sobrevivência e para a sobrevivência da vida complexa. Por exemplo, se você destruir o solo, serão necessários milhões de anos para que ele se regenere.

Assim sendo, nós definitivamente precisamos ser menos esbanjadores, devemos, de algum modo, encontrar um estilo de vida por meio do qual vivamos de forma racional, inteligente e sem consumir tanto. Precisamos encontrar algumas maneiras racionais, democráticas, não violentas e favoráveis aos pobres para reduzir a população.

Atualmente, como chegar lá é a questão mais difícil. Neste mundo, é muito difícil dizer às pessoas que não viajem, ou que não tirem proveito dos benefícios das novas tecnologias, como os smartphones, os quais sabemos que esgotam materiais de terras raras. É importante reconhecer as nossas contradições – entre o que desejamos no momento e o conhecimento que temos sobre a mudança climática.

Precisamos ter um tipo diferente de sociedade – não podemos sustentar a forma atual de capitalismo nos próximos 100 ou 200 anos. Não é errado deslegitimar o consumismo e reeducar os nossos próprios desejos. E é nossa responsabilidade continuar com essa mensagem, nas universidades e nas escolas.

O sr. disse que uma crise é um bom momento para se renovar a criatividade.

À medida que a crise se agrava, o mesmo acontecerá com as respostas criativas a ela. Acredito que haverá líderes carismáticos que irão romper os grilhões do consumismo e nos inspirar, como Mahatma Gandhi fez no passado.

Fotos:

Gideon Mendel

Dipesh Chakrabarty

Dipesh Chakrabarty (Austrália e Estados Unidos) é um historiador de origem indiana. Ele tem o título de Lawrence A. Kimpton Distinguished Service Professor in History na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos. Ele é o autor de, entre outras publicações, Provincializing Europe: Postcolonial Thought and Historical Difference (2000; 2008) e "The Climate of History: Four Theses" (2009).