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Building peace in the minds of men and women

Ideias

O outro lado da moeda

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Piquenique gigante organizado na fronteira dos Estados Unidos com o México, em 2017, do artista francês JR.

Uma pesquisa recente, abrangendo mais de 100 prefeitos nos Estados Unidos, ilustra que muito depende de se essas autoridades estão dispostas a exigir direitos iguais a seus recém-chegados e provocar mudanças diante de uma política de imigração federal mais rigorosa.  

Katherine Levine Einstein

Em junho de 2018, uma delegação bipartidária de prefeitos – iincluindo o presidente da Conferência de Prefeitos dos Estados Unidos, Steve Benjamin – viajou a Tornillo, no Texas, para protestar contra a política de separação de famílias do governo do presidente Trump. Em abril de 2017, os prefeitos norte-americanos também atravessaram linhas partidárias, para clamar por uma reforma imigratória e para protestar contra a proposta de expansão das regras de gastos públicos, de outubro de 2018, que penalizava “famílias de imigrantes de mais baixa renda, ao negar-lhes vistos e green cards, por terem recebido benefícios não monetários essenciais aos quais eles têm direito legal”. Essa ação bipartidária contrasta significativamente com a polarização partidária rancorosa que define os atuais debates políticos nacionais em torno da imigração.

No entanto, apesar desse ativismo público dos prefeitos, existem muitos obstáculos à reforma imigratória conduzida localmente. De fato, essas ações públicas desmentem as rígidas divisões internas entre os prefeitos norte-americanos. No Menino Survey of Mayors, de 2017 e 2018, nossa equipe na Initiative on Cities da Universidade de Boston perguntou a mais de 100 prefeitos de cidades – com população com mais de 75 mil habitantes – a respeito de suas opiniões sobre imigração, raça e racismo, entre outras questões. Em contraste à unidade bipartidária adotada pela Conferência de Prefeitos dos EUA, os prefeitos parecem estar fortemente divididos quanto a essas questões. Enquanto 86% dos prefeitos democratas acreditam que os imigrantes devem receber serviços do governo local, independentemente do seu status legal, apenas 29% dos prefeitos republicanos pensam da mesma forma.

Ademais, mesmo aqueles prefeitos que apoiam a luta contra as políticas de imigração do governo Trump não estão muito seguros quanto à sua capacidade de fazê-lo. Apenas 31% dos prefeitos acreditavam que poderiam fazer muito para contrariar ou se opor à política de imigração federal. Em comparação, no que se refere às iniciativas federais de policiamento, 74% sentiam que podiam fazer muito para se contrapor a elas ou revogá-las. Essas disparidades fazem sentido. Enquanto muitas políticas públicas norte-americanas foram descentralizadas para os níveis estadual e local, a imigração permanece firmemente em mãos federais.

As leis estaduais podem limitar ainda mais a autonomia política das cidades nessa área. Vários estados estão considerando legislações que proíbem as cidades-santuário*, apesar de alguns, de forma notável, buscarem políticas que permitem explicitamente as jurisdições de santuário. No Texas – um estado que tem se transformado demograficamente nas últimas décadas por causa da imigração –, o governador assinou uma lei estadual que proíbe as cidades-santuário; a lei tornou os agentes policiais e os líderes locais suscetíveis a acusações formais de contravenção se não cumprirem as solicitações de agentes de imigração para a detenção de prisioneiros não cidadãos sujeitos a deportação.

Além disso, mesmo naquelas cidades norte-americanas em que os governos estaduais são mais permissivos, as cidades enfrentam limitações importantes. Muitas vezes têm recursos retidos, e são limitados em levantar recursos adicionais por meio de impostos onerosos e limites de gastos determinados por seus governos estaduais.

Isso posto, ainda existem muitas políticas locais à disposição dos prefeitos que podem afetar de forma significativa as condições de vida dos imigrantes – talvez mais notavelmente no campo do policiamento. Em muitos estados, os governos locais podem optar por não aplicar alguns aspectos da lei de imigração nacional – tornando-se “cidades-santuário”. Como a Conferência de Prefeitos dos EUA observou em um comunicado divulgado em 25 de janeiro de 2017, “os departamentos de polícia locais trabalham arduamente para construir e manter a confiança em todas as comunidades a que servem, incluindo as comunidades de imigrantes. Os imigrantes que residem em nossas cidades devem poder confiar na polícia e em todo o governo municipal”. 

As cidades também podem tornar o próprio governo mais acolhedor. Podem criar escritórios de inclusão de imigrantes; oferecer serviços em diversas línguas; prover assistência em comunidades de imigrantes; e contratar funcionários de origens diversas.

Comunidades totalmente separadas

Prefeitos e cidades também podem promulgar políticas que promovam o acesso igualitário aos serviços governamentais locais de qualidade em comunidades de imigrantes e de não imigrantes. As cidades norte-americanas são fortemente segregadas, com pessoas brancas e pessoas de cor – descendentes de africanos, asiáticos e hispânicos – totalmente separadas em bairros diferentes. Em Boston, por exemplo, 60% dos hispânicos precisariam se mudar do seu atual bairro de residência para serem espalhados de maneira uniforme por toda a área metropolitana. 

Essa segregação racial e étnica leva a uma concentração da pobreza – em que a privação socioeconômica é agrupada em um só lugar. A pobreza concentrada está associada a uma série de resultados sociais e econômicos negativos, incluindo menos oportunidades de emprego e maior criminalidade. Essas áreas, em média, também oferecem serviços governamentais de qualidade mais baixa.

Esse abandono das comunidades desfavorecidas apresenta múltiplas causas. Os moradores dessas comunidades são menos propícios a fazer exigências de seus governos. Também estão menos aptos a ter tempo de entrar em contato com seus governos ou confiar que o governo agirá se for solicitado. Ademais, os políticos são, em média, mais responsivos aos eleitores abastados; então, mesmo quando solicitados a agir por essas comunidades, eles são menos propícios a fazê-lo. O efeito da histórica falta de investimentos nessas comunidades é cumulativo, e sua superação é desafiadora. 

Além disso, muitos prefeitos relutam em reconhecer as discriminações e iniquidades locais nos serviços públicos. Apenas 19% dos prefeitos acreditavam que os imigrantes enfrentavam muita discriminação em suas cidades. Mais de 80% dos prefeitos de ambos os partidos políticos viam a qualidade do seu transporte público, a manutenção das ruas e os parques como iguais para pessoas brancas e pessoas de cor. Reconhecer a desigualdade e a discriminação são pré-requisitos básicos para tomar ações políticas concretas que abordem essas questões.

Isso não significa que todos os prefeitos evitam reconhecer e abordar a desigualdade racial. Aqui, mais uma vez – como ocorre com as opiniões sobre imigrantes que recebem serviços públicos –, a divisão política foi substancial. Os prefeitos democratas se mostraram 20% mais propensos do que os republicanos a perceber a discriminação contra imigrantes em suas cidades. Dependendo da área das políticas, os democratas se mostraram entre 20% e 50% mais aptos do que os republicanos a acreditar que o acesso aos bens sociais e públicos, como emprego, saúde e tratamento justo nos tribunais era melhor para os brancos do que para as pessoas de cor. Embora os prefeitos, de forma transversal às divisões partidárias, tenham realizado ações simbólicas contra as políticas de imigração de Trump, os prefeitos democratas são substancialmente mais propensos a oferecer apoio ativo aos imigrantes ilegais, a reconhecer a discriminação local contra imigrantes e a admitir que o acesso aos bens públicos, sociais e econômicos essenciais é desigual quando se leva em conta o fator racial.

Desse modo, os imigrantes enfrentam uma miscelânea desigual de serviços pela qual devem navegar, à medida que alguns governos locais (majoritariamente democratas) divulgam de forma agressiva iniciativas para acolher os imigrantes e corrigir as disparidades, enquanto outros – devido às limitações ou aos preconceitos locais contra os recém-chegados – optam por não fazê-lo.

* As cidades-santuário são aquelas comprometidas em proteger os direitos de todos os seus cidadãos, incluindo imigrantes sem documentos, e em oferecer a eles os serviços básicos. Nos EUA, essas cidades também garantem que os imigrantes ilegais que não estejam envolvidos em atividades criminosas sejam impedidos de serem detidos ou deportados pelas autoridades federais.

Foto: JR

Katherine Levine Einstein

Professora assistente de Ciência Política na Universidade de Boston, Katherine Levine Einstein  recebeu seu Ph.D. em Governo e política social da Universidade de Harvard. Seu trabalho sobre política local e políticas públicas, política racial e étnica, e políticas públicas norte-americanas foi publicado em diversos periódicos acadêmicos.