<
 
 
 
 
×
>
You are viewing an archived web page, collected at the request of United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO) using Archive-It. This page was captured on 21:44:04 Jun 10, 2019, and is part of the UNESCO collection. The information on this web page may be out of date. See All versions of this archived page.
Loading media information hide

Building peace in the minds of men and women

Grande Angular

Hindu Oumarou Ibrahim: defensor dos direitos dos Mbororo

cou_01_19_hindou_web.jpg

Frequentadores do mercado pecuário no vilarejo fronteiriço de Gbiti (Cameroun), os pastores Mbororo da África Central refugiaram-se lá em 2014, ao fugir da violência em seu país.

Reconhecidos internacionalmente, os povos indígenas da África nem sempre podem contar com o mesmo reconhecimento em seus próprios países. A comunidade Fulani Mbororo, por exemplo, está longe de desfrutar plenamente dos seus direitos, segundo uma de suas mais fortes defensoras, Hindu Oumarou Ibrahim. Ela é coordenadora da Associação das Mulheres Aborígenes do Chade (Association des Femmes Peules Autochtones du Chad – AFPAT).                                             

Entrevista por Domitille Roux

Qual é a situação dos Mbororo no Chade?

Graças à Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, nós temos reconhecimento regional dos cinco países nos quais estamos distribuídos: Cameroun, República Centro-Africana, Chade, Níger e Nigéria. No entanto, em âmbito nacional, não existem leis que protejam ou reconheçam os povos indígenas.

Em 2014, o atual presidente do Chade, Idriss Deby Itno, que era então presidente da Comunidade Econômica dos Estados da África Central, participou da terceira edição do Fórum Internacional dos Povos Indígenas da África Central (FIPAC 3), realizado em Impfondo, na República do Congo. Nesse encontro internacional sobre habilidades tradicionais e economia verde, ele proferiu um discurso em prol dos povos indígenas. Foi um endosso político considerável e uma mensagem muito forte em nosso favor. No entanto, o impacto desse discurso se esgotou – ele não foi publicado posteriormente e assim, permaneceu ineficaz.

Como a sra. descreveria as condições de vida dos Mbororo?

Como inaceitáveis. No mínimo, os membros da minha comunidade deveriam ser reconhecidos como cidadãos de um país. No entanto, metade deles – particularmente mulheres e crianças – sequer tem uma certidão de nascimento. Como então podem ter direitos? Sem esse documento essencial, é impossível obter uma carteira de identidade, passaporte, ou acesso à educação e aos serviços de saúde. Se um paciente chegar no hospital sem uma certidão de nascimento, não apenas será o último a ser examinado, mas também corre o risco de receber cuidados inadequados, já que sua idade e suas necessidades não são conhecidas pelos médicos.

Embora existam muitos documentos e diretivas, na realidade, estamos sozinhos. Sequer temos acesso à água potável. Os Mbororo bebem a mesma água que os animais – isso favorece as doenças e os torna ainda mais vulneráveis.

A sra. poderia nos contar mais sobre a AFPAT? Quais são os projetos da Associação desde sua criação em 1999 e, especialmente, desde que obteve o status legal em 2005?

Nosso principal objetivo é melhorar as condições de vida em nossa comunidade, e nosso trabalho é apoiado por dois programas. O primeiro concentra-se na proteção e na promoção dos direitos humanos e dos direitos dos povos indígenas, em consonância com as declarações nacionais e internacionais sobre o tema. O segundo diz respeito à proteção do meio ambiente, conforme previsto nas três Convenções do Rio, originárias da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Rio 92 ou​ ​​​​​​UNCED, 1992). Elas têm como foco a mudança climática, a biodiversitdade e a desertificação.

Na prática, aumentamos a conscientização sobre os direitos sociais básicos por meio de sessões de treinamento em educação ou acesso aos serviços de saúde. Também educamos as comunidades sobre o acesso à Justiça – dada a marginalização e a violência a que são submetidas, é essencial dizer-lhes que têm direito à justiça e à equidade.

No que diz respeito à proteção e à promoção do meio ambiente, nós organizamos sessões de treinamento e discussões com as comunidades sobre adaptação à mudança climática e a importância do conhecimento tradicional e da experiência para adaptação.

Quais resultados a sra. alcançou por meio dessas campanhas de conscientização?

Um de nossos sucessos é a criação de centros de saúde adaptados às comunidades nômades, por exemplo. Também obtivemos sucesso em integrar as mulheres em debates na comunidade. Agora, mulheres e homens sentam-se juntos para discutir seu futuro.

No âmbito legislativo, contribuímos para uma reforma do Código Pastoril, que datava de 1958 e havia se tornado obsoleto: a demografia e o meio ambiente mudaram muito desde então. Não estamos totalmente satisfeitos com a reforma, mas essa já é uma espécie de vitória para a nossa associação.

No que diz respeito à educação, deve ser entendido que as comunidades nômades não rejeitam a escola, ao contrário do que geralmente se pensa. Elas simplesmente querem uma escola com programas e horários que sejam adaptados ao seu modo de vida. As crianças nômades têm menos necessidade de aprender sobre a história das guerras mundiais ou sobre a história da França do que têm de aprender sobre como gerir os recursos naturais, como a água, ou sobre conflitos entre as comunidades. Elas também precisam de professores que entendam sua cultura e dominem sua língua, o que é essencial para a aprendizagem.

A criação, em 2012, de uma diretoria para a educação de crianças nômades foi uma notícia muito encorajadora. Esse órgão considerou as necessidades das comunidades nômades e criou programas-piloto adaptados à vida de suas crianças. Contudo, por ora, os Mbororo não se beneficiam disso .

O que a sra. acha do projeto* Biosfera e Patrimônio do Lago Chade (Biosphere and Heritage of Lake Chad – BIOPALT)?

O projeto é uma grande promessa para a restauração dos ecossistemas do Lago Chade, a preservação de seus recursos e as relações entre os povos dos países vizinhos. O que me preocupa é que leva tempo para estabelecer prioridades, criar áreas protegidas, implementar projetos-piloto – o tempo está se esgotando, e o orçamento está sendo usado antes que quaisquer resultados concretos sejam obtidos.

Na minha opinião, esse projeto fará diferença se os especialistas responsáveis estabelecerem uma relação de confiança com os povos indígenas. Eles têm vivido nesses lugares por séculos; não estão apenas de passagem, como alguns políticos. É com, e para, essas populações que o projeto deve ser concluído com sucesso.

Hindou Oumarou Ibrahim

Nascida no Chade em 1984, Hindou Oumarou Ibrahim participa de conferências internacionais com o objetivo de sensibilizar os líderes mundiais a respeito da mudança climática e dos direitos dos povos indígenas. Em 1999, ela ajudou a fundar a AFPAT, uma associação das mulheres Fulani do Chade, para melhorar as condições de vida de sua comunidade, os Mbororo.