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Building peace in the minds of men and women

Grande Angular

Retorno às Ilhas Lau, a toda vela

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Trinta “guerreiros do clima do Pacífico”, representando 12 nações insulares, juntaram-se a centenas de australianos em um bloqueio ao maior porto de carvão do mundo em Newcastle, Austrália, para protestar contra os efeitos da mudança climática, em 2014.

“Por milhares de anos, nossos pais nos ensinaram a respeitar e a cuidar do oceano. Porém, as forças que atacam e destroem nosso oceano atualmente estão fora do nosso controle para administrar”, declarou Fuluna Tikoidelaimakotu Tuimoce, um jovem velejador de Fiji. Este é o seu testemunho.

Fuluna Tikoidelaimakotu Tuimoce

Meu nome é Fuluna Tikoidelaimakotu Tuimoce. Ele lhe diz quem eu sou e de onde vim. Venho de um pequeno país, Fiji, no meio do maior oceano do mundo, o Pacífico. Moro em um pequeno vilarejo, Korova, próximo de Suva, a capital. No entanto, meu povo é de uma ilha ainda menor, Moce, do grupo Lau.

Nós somos um povo do oceano. Durante a maior parte de nossa história milenar vivendo no Oceano Pacífico, a terra é um lugar para onde vamos descansar. O oceano é o nosso verdadeiro lar. O oceano sempre nos proveu, nos alimentou e nos protegeu. É a nossa estrada e o nosso supermercado. Atualmente, nosso oceano é uma sombra do que costumava ser – cada vez mais poluído, acidificado, objeto de pesca excessiva, mais quente e com um nível cada vez mais alto. 

Por milhares de anos, nossos pais nos ensinaram a respeitar e a cuidar do oceano. Porém, as forças que atacam e destroem nosso oceano atualmente estão fora do nosso controle para administrar.

Somos um povo velejador. Sempre velejamos, e nossas “canoas” eram os maiores e mais rápidos veleiros do mundo quando os europeus navegaram pela primeira vez em nosso oceano.

No século XVIII, o Capitão Cook descreveu como os Tu’i Tonga “velejaram em torno do nosso navio como se estivéssemos ancorados”. Os Tu’i Tonga eram um drua [veleiro tradicional de casco duplo] construído em meu lar das Ilhas Lau. Era maior que o navio de Cook, com mais homens, três vezes mais rápido que o de Cook e capaz de velejar tão próximo do barlavento [direção de onde sopra o vento] quanto um iate moderno.

Apogeu do avanço tecnológico

O drua era o apogeu do avanço tecnológico. Ele era construído sem metal, usando apenas madeira, forragem, nozes, pedras, ossos e pele de tubarão. Usando todo o conhecimento aprendido em milhares de anos de navegação oceânica, nossos ancestrais em nossas pequenas ilhas construíram milhares dessas grandes embarcações e as exportaram para todo o Pacífico Central. Cada ilha tinha seu próprio transporte, movido por energia renovável gratuita e continuamente disponível.

Os relatórios de todos os exploradores europeus descreveram o Pacífico como um oceano coberto por velas. Nós éramos um povo móvel

Apesar dos ciclones, dos tsunamis e de outros desastres naturais, comuns no Pacífico, nossos ancestrais nunca enxergaram o oceano como uma barreira. Eles nunca falaram de ser “vulneráveis”, “isolados”, “remotos”: nosso drua – nossa capacidade de velejar à vontade – significava que estávamos sempre conectados. Não éramos países “pequenos”, “insulares” ou “em desenvolvimento”. Nós éramos – e ainda somos – grandes comunidades oceânicas. . 

Um desastre

No entanto, a realidade é mais complexa: nossos países do Pacífico estão na linha de frente da mudança climática. Não que seja nossa culpa, mas estamos em um lento curso de desastre que agora nos afasta de nossas costas e atóis, que transforma nossos oceanos em uma sopa ácida, cheia de plástico, que branqueia nossos corais e destrói nossa água e nossos suprimentos alimentares. Para alguns de nós, isso destruirá completamente nossos lares, nossos países e nossas culturas. Para todos nós, isso significa uma mudança sem precedentes, muitas vezes além da capacidade de nossos anciãos de nos guiar e de nossos filhos de se prepararem. 

Meu vilarejo nunca teve um motor de popa. Nós somos uma das poucas comunidades que ainda velejam em nosso oceano. Meus anciãos são os últimos que ainda sabem como construir e manter canoas a vela. Meu próprio pai morreu quando eu tinha 3 anos de idade, velejando em um dos últimos druas, de Lau para Suva. 

Minha comunidade é um resquício do que foi um dia. Nossas canoas são pequenas – apenas sombras dos druas gigantes que nossos avós e seus pais construíam. Nós as usamos todos os dias para ir até o recife, para pescar e procurar nossos suprimentos. No entanto, agora podemos apenas sonhar com o dia em que nossos chefes nos mandarão velejar em grandes frotas para outros países do outro lado do nosso mundo conhecido.

Um sonho de criança 

Então, o que pode ser feito? Nós não estamos aceitando o nosso destino passivamente. Há um renascimento de nossa herança marítima acontecendo para além do nosso oceano. Nos últimos anos, eu tive a sorte de velejar com uma pequena frota de canoas oceânicas de todo o Pacífico.

Atravessamos o nosso oceano repetidas vezes – de ilha a ilha, e agora de continente a continente – América e Austrália –, disseminando a nossa mensagem de esperança de que o mundo pode acordar de sua globalização autoinduzida e de seu coma impulsionado pelos bens de consumo a tempo de deter a destruição sem sentido do nosso oceano e do nosso planeta. 

Existem sinais de que a revitalização da cultura de canoas está acontecendo agora em todos os cantos do nosso oceano – da Ilha Manus, em Papua-Nova Guiné, ao atol de Namorik, nas Ilhas Marshall, até os arquipélagos da Polinésia Francesa. Nós sabemos que é apenas um pequeno passo, que não deve ser suficiente para reverter o aumento do nível do mar.

No entanto, se perdermos a nossa cultura de velejar, certamente perderemos tudo. Nossas canoas já foram chamadas Waga Tabu – “navios sagrados”. Elas são os nossos ícones, o nosso patrimônio, a nossa definição de quem e o que somos. São símbolos de uma época em que vivíamos em sintonia com o vento e com as ondas, quando éramos verdadeiramente um grande povo em um grande oceano. 

A ligação com o passado que nossas canoas proporcionam não está completamente cortada. Embora tenhamos poucos recursos, estamos agindo agora para garantir que o conhecimento ainda mantido por  nossos anciãos não desapareça desta Terra quando eles se forem – mas que seja registrado para as futuras gerações. Nós estamos construindo novas canoas, apenas as pequenas a princípio, mas continuamos a planejar o dia em que lançaremos novamente o nosso drua sobre as águas do Pacífico.

Devemos começar do início. A preparação para o futuro começa com as lições do passado. Quando éramos crianças, nossos pais nos ensinaram a fazer o Bakanawa – um modelo de drua com o qual apostávamos corrida depois da escola e nos finais de semana. Considero-me o mais afortunado da minha geração – um dos poucos que cresceram velejando no oceano da mesma forma que meus ancestrais fizeram por milhares de anos.

Então, o que eu posso fazer perante a mudança climática? Parece que o melhor que posso fazer é construir um drua e velejar de volta às Ilhas Lau. 

Saiba mais

About partnering toward a more sustainable ocean

Foto: Jeff Tan

Fuluna Tikoidelaimakotu Tuimoce

Um jovem velejador da República de Fiji, Fuluna Tikoidelaimakotu Tuimoce se tornou a voz dos povos do mar. Ele proferiu um vívido testemunho na conferência sobre os Povos Indígenas nas linhas de frente da mudança climática, realizada na UNESCO em 26 e 27 de novembro de 2015.