<
 
 
 
 
×
>
You are viewing an archived web page, collected at the request of United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO) using Archive-It. This page was captured on 22:20:39 Jun 10, 2019, and is part of the UNESCO collection. The information on this web page may be out of date. See All versions of this archived page.
Loading media information hide

Building peace in the minds of men and women

Grande Angular

Resistir ao monopólio da pesquisa

cou_03-18_recherche_01.jpg

Yoshua Bengio: “Devemos incentivar uma maior diversidade no mundo econômico associado à IA, para evitar uma situação de monopólio”.

A Inteligência Artificial (IA) ainda está em sua infância. “Seu nível de raciocínio é muito superficial, e ainda não é equivalente nem ao de um sapo”, diz Yoshua Bengio, pioneiro em IA e o maior especialista em aprendizagem profunda. No entanto, ele alerta que já existem problemas sérios de monopolização e distribuição desigual que só podem ser solucionados em escala mundial. A coordenação internacional é indispensável no desenvolvimento da IA, ele adverte.

 

Yoshua Bengio, entrevistado por Jasmina Šopova

 

Durante os últimos cinco anos, a pesquisa em IA virou moda em alguns dos gigantes da tecnologia, que estão investindo somas consideráveis de dinheiro na área. O sr. poderia explicar este fenômeno?

A resposta é muito simples. A ciência da IA alcançou um grau de maturidade que a torna muito útil para as empresas. A acumulação de big data e o poder crescente da computação disponível facilitam o desenvolvimento de novos produtos em IA, que serão ainda mais rentáveis no futuro do que são hoje em dia.

Atualmente, quando navegamos na internet, somos constantemente aliciados por publicidade direcionada, esses anúncios permitem que empresas como Facebook, Amazon, YouTube etc. tenham sucesso. Atualmente, os produtos de IA possuem apenas uma pequena parcela do mercado, mas os economistas preveem que, em uma década, eles somarão até 15% da produção total de bens e produtos. Isso é enorme.

A Inteligência Artificial permitirá então que essas empresas vendam mais, enriqueçam e possam pagar aos pesquisadores contratados muito mais do que fazem hoje em dia. Ao aumentar sua base de consumidores, as empresas aumentarão a quantia de dados às quais têm acesso – e esses dados são uma mina de ouro que torna o sistema ainda mais poderoso.

Tudo isso cria um círculo virtuoso, que é bom para essas empresas, mas não é saudável para a sociedade. Tal concentração de poder pode ter um impacto negativo tanto na democracia quanto na economia, pois isso favorece grandes empresas e diminui a capacidade das novas pequenas empresas de entrarem no mercado, mesmo que tenham melhores produtos para oferecer.

Devemos incentivar mais diversidade no mundo dos negócios associados à IA, e evitar uma situação de monopólio.

 

Mas o monopólio já está estabelecido. Isto pode ser remediado?

Por meio leis antimonopólio. A história ensina que tais leis podem ser efetivas contra o poder excessivo de algumas empresas. Lembre-se da Standard Oil, nos Estados Unidos, que comprou as empresas de seus competidores para monopolizar o mercado de óleo; ou Hollywood, que, até a metade do século XX, controlava 70% dos cinemas e impunha suas regras na distribuição de filmes. As decisões judiciais contra essas e outras empresas ajudaram a equilibrar os mercados novamente.

Acredito que regulamentações criteriosas de publicidade podem contribuir muito para a prevenção do estabelecimento de monopólio em pesquisa de IA. De certa maneira, somos todos prisioneiros da publicidade, e, muitas vezes, nos esquecemos que temos a opção de tomar uma decisão coletiva de regulamentá-la de forma que não seja prejudicial à sociedade.

Além disso, os serviços oferecidos por grandes empresas privadas, como Google ou Facebook, poderiam se tornar públicos, da mesma maneira que a televisão é ao oferecer serviços semelhantes.

 

O sr. decidiu não trabalhar para o setor privado, certo?

Sim, eu quero permanecer neutro. Meu projeto é desenvolver uma ciência acessível a todos, e não apenas a alguns acionistas. Eu quero que a pesquisa se desenvolva de maneira que atinja os serviços mais úteis para a humanidade, e não necessariamente os mais rentáveis para a economia.

Dito isto, eu tenho tentado criar um ambiente comum que seja mutualmente benéfico tanto para a pesquisa quanto para a indústria na  Universidade de Montreal, onde trabalho. Diversos laboratórios privados foram montados na capital Quebec, e eles colaboram conosco. Pesquisadores da indústria estão contratados como professores associados na universidade e ajudam na formação dos estudantes. As empresas fazem doações para as universidades e dão liberdade completa para decidirem em quais áreas de pesquisa investirão.

 

Qual é a proporção de pesquisadores que trabalham no setor acadêmico hoje?

Se eu basear minha resposta nas pessoas que conheço de grandes conferências internacionais, eu diria que metade. Há cinco anos, praticamente todos os pesquisadores de IA trabalhavam no setor acadêmico.

 

Empresas privadas contratam talentos de todo o mundo. Isso contribui para o êxodo de cérebros em países menos desenvolvidos?

Inevitavelmente. É por essa razão que devemos pensar coletivamente sobre como os países mais pobres podem se beneficiar dos resultados de pesquisa mais recentes, e também sobre como criar centros de pesquisa em suas universidades. Na África, por exemplo, mais e mais instituições acadêmicas estão oferecendo cursos em IA e cursos de verão, que têm se mostrando bastante úteis.

Além disso, existe um grande número de cursos, tutoriais e códigos disponíveis online gratuitamente. Eu conheço muitos jovens que fizeram cursos pela internet. Também devemos procurar as melhores maneiras de ajudar esses estudantes a aprenderem por si mesmos.

 

Alguns países, incluindo o Canadá, estão investindo pesado em pesquisa de IA.

Sim, o Canadá decidiu financiar não apenas a pesquisa básica e ajudar startups, mas também investir no pensamento coletivo e em pesquisa na área de ciências sociais e humanas, de modo a avaliar o impacto social da IA.

Foi aberto um debate, em 3 de novembro de 2017, em uma iniciativa da Universidade de Montreal para ajudar a desenvolver a Montreal Declaration for a Responsible Development of Artificial Intelligence (Declaração de Montreal para o Desenvolvimento Responsável da Inteligência Artificial, em tradução livre). Esta aproximação busca essencialmente estabelecer diretrizes éticas para o desenvolvimento de IA no âmbito nacional.

Nesta primeira fase do processo participativo de longo prazo, o público em geral é convidado a debater com especialistas e tomadores de decisões políticas. Sete valores foram identificados: bem-estar, autonomia, justiça, privacidade, conhecimento, democracia e responsabilidade.

 

Em que estágio esta reflexão está no cenário internacional?

Que eu saiba, não há um tratado internacional governando a pesquisa em IA. No entanto, essas são questões internacionais e, sem uma coordenação internacional, não poderemos avançar na direção correta.

Em primeiro lugar, o público geral e os tomadores de decisões políticas devem estar cientes das preocupações com relação à IA. Em algumas partes do mundo, pesquisadores já publicaram alertas sobre os maiores problemas, e a mídia e o público em geral têm retornado com respostas. Estes são os primeiros passos que nos levarão em direção a um diálogo mais amplo e mundial sobre os problemas apresentados por esta disciplina, em particular na área de ética, meio ambiente e segurança.

Yoshua Bengio

Cientista da computação e pesquisador, Yoshua Bengio (Canadá) é professor titular do Departamento de Ciência da Computação e Pesquisa Operacional (DIRO), na Universidade de Montreal; chefe do Instituto de Aprendizado de Algoritmos de Montreal (MILA); codiretor do programa Aprendizado em Máquinas e Cérebros do Instituto Canadense de Pesquisa Avançada (CIFAR) e da Canada Research Chair in Statistical Learning Algorithms (Cátedra de Pesquisa do Canadá em Aprendizado Estatístico de Algoritmos). Os resultados de sua pesquisa foram citados mais de 80 mil vezes (até setembro de 2017). Nascido em Paris, Bengio mudou-se para Quebec em 1977 com 12 anos de idade, com seus pais, que são de origem marroquina. Foi condecorado Oficial da Ordem do Canadá e membro da Sociedade Real do Canadá.