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Grande Angular

Educação: o alicerce essencial para os direitos humanos

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"Recompensas educativas", pôster de Sarah Hartwig (Alemanha), classificado como um de dos dez melhores no concurso "Right to Education", organizado em 2014 pela associação sem fins lucrativos 4tomorrow, que promove os direitos humanos.

“Educação para a liberdade não significa, como frequentemente se pensa, um programa laissez-faire de conteúdo ou de métodos de instrução, mas o reconhecimento inteligente da responsabilidade e do dever”, escreveu o educador norte-americano Isaac Leon Kandel (1881-1965), em sua resposta à pesquisa da UNESCO sobre as fundamentações filosóficas dos direitos humanos (UNESCO’s survey on the philosophical foundations of human rights), enviada em 1947 sob o título Education and Human Rights (Educação e os direitos humanos, em tradução livre). Trechos a seguir.

Isaac Leon Kandel

Um estudo de declarações recentes sobre os direitos humanos revela o curioso paradoxo de que a única condição que é essencial à sua concretização e uso adequado é raramente mencionada. Talvez a omissão de qualquer referência à educação possa ser explicada no pressuposto de que é subestimada como um direito humano e como alicerce essencial para o gozo dos direitos humanos.

A história da educação, no entanto, fornece ampla evidência de que a educação não foi tratada como um direito humano, tampouco foi usada como um instrumento para desenvolver uma valorização da importância dos direitos humanos para o desenvolvimento pleno de cada indivíduo como ser humano. Historicamente, duas motivações têm dominado a oferta de educação. A primeira e mais antiga motivação direcionava-se a doutrinar a geração mais jovem em crenças religiosas de suas denominações particulares. A segunda motivação, que veio com o uso do estado nacional, pretendia desenvolver um senso de lealdade ao grupo político ou à nação. Em ambos os casos, os fins buscados enfatizavam a disciplina aquiescente em vez da educação para a liberdade como ser humano. [...]

Como a educação ainda não foi reconhecida universalmente como um direito humano, é importante que seja incluída em qualquer declaração de direitos humanos que venha a ser concebida. O direito à educação precisa de maior ênfase do que lhe é concedido no Memorando sobre Direitos Humanos, elaborado pela UNESCO (27 de março de 1947).

Educação de dois âmbitos

Um dos resultados trágicos da organização tradicional da educação em dois sistemas – um para as massas e o outro para um grupo seleto – é que, mesmo quando a igualdade de oportunidade educacional é oferecida, certas classes sociais e econômicas sentem que as oportunidades não são destinadas a elas. A oferta de oportunidade educacional igualitária requer, em alguns países, medidas para mudar as atitudes psicológicas produzidas pela organização tradicional.

Por conseguinte, Henri Laugier, ao discutir planos para a reconstrução da educação na França, escreveu (no Educational Yearbook do Instituto Internacional, Teachers College, Universidade Columbia, p. 136 f, Nova York, 1944): “Tantas gerações na França viveram em uma atmosfera de igualdade teórica e desigualdade de fato que a situação, na prática, se deparou com uma aceitação bastante geral, induzida pelas condições normalmente agradáveis da vida francesa. Naturalmente, as vítimas imediatas da desigualdade são pouco conscientes disso ou não sofrem por isso de qualquer forma. Não ocorre ao filho de um trabalhador ou de um trabalhador agrícola que ele possa se tornar o governador de uma colônia, diretor em um ministério, um embaixador, um almirante, ou um inspetor de finanças. Ele pode saber que tais posições existem, mas para ele, elas existem em um mundo superior que não está aberto a ele. Na maioria das vezes, essa situação não o inspira nem o inibe, não desperta nele um desejo de reivindicar um direito ou de exigir uma mudança definitiva”! [...]

O reconhecimento da educação como um direito humano é, no entanto, apenas um aspecto do problema, pois se refere aos Direitos do Homem. O livre acesso à educação em todos os âmbitos pode ser oferecido sem afetar o conteúdo ou os métodos de instrução. Tradicionalmente, a qualidade da educação primária diferia da qualidade da educação secundária; a primeira direcionada a transmitir um determinado quantum de conhecimento, geralmente a ser adquirido por rotina e resultando no que os franceses chama de l’esprit primaire; o último, pretendia importar uma educação cultural liberal ou geral. Em nenhum caso havia, exceto por engano, qualquer treinamento profundo para o uso e gozo daquelas liberdades que estão incluídas na lista dos Direitos Humanos. A ênfase, particularmente, já que a maioria dos tipos de educação era dominada pela exigência de exames, era mais sobre a aceitação da autoridade ou da palavra impressa ou do professor.

Liberdade não é autorização

Quando o pêndulo começou a mudar de uma ênfase sobre disciplina, doutrinação e autoritarismo para uma ênfase sobre a liberdade, foi muito frequentemente esquecido que a liberdade é uma conquista e que a educação para a liberdade de qualquer tipo exige um tipo de disciplina para aprender a apreciar as consequências morais de nossas ações. A educação para a liberdade não significa, como frequentemente se pensa, um programa laissez-faire de conteúdo ou de métodos de instrução, mas o reconhecimento inteligente da responsabilidade e do dever.

Se este princípio for sólido, significa também uma mudança no status do professor e do ensino. Se o professor deve ser mais do que um provedor de conhecimento a ser testado por exames, então as limitações tradicionais impostas a ele por programas de estudo descritos em detalhe, por métodos de instrução determinados, e pelo controle por meio da inspeção e exames deve ser substituído por um conceito diferente de preparação, que seja desejável para o professor. Essa preparação deve ser elevada ao mesmo grau da preparação para qualquer outra profissão liberal. Se os esforços do professor devem ser direcionados ao desenvolvimento de personalidades livres e à educação para a liberdade de opinião, de expressão, de comunicação, de informação e de investigação, o professor, por meio de sua preparação, deve tornar-se profissionalmente livre e reconhecer que a liberdade sem um senso de responsabilidade facilmente se degenera em autorização.

Antes que os Direitos do Homem possam ser incorporados em programas de educação, outra mudança é essencial. No passado, a educação foi usada como um instrumento de política nacionalista, o que muito frequentemente significava doutrinação em separatismo ou superioridade nacional ou racial. E mesmo onde as humanidades formavam o cerne do currículo, muita atenção foi dedicada a armação de que o significado fundamental do humanismo estava perdido. Os objetivos comuns inerentes ao ideal dos Direitos do Homem só podem ser alcançados quando programas de educação e de instrução têm como base a constatação de que não há cultura nacional que não deva muito mais do que geralmente se admite à influência do patrimônio cultural do homem de todas as raças e de todas as idades. É sobre esse alicerce que as liberdades incluídas nos Direitos do Homem podem ser estabelecidas; é somente dessa maneira que o verdadeiro conceito do humanismo como um fim na educação pode ser desenvolvido. Sua realização, por fim, depende do treinamento nos métodos de livre investigação. A educação para as várias liberdades exige disciplina. Parafraseando Rousseau, o homem deve ser disciplinado para desfrutar das liberdades que são seus direitos.

Isaac Leon Kandel

Pioneiro no campo da educação comparativa, o educador norte-americano Isaac Leon Kandel (1881-1965) conduziu estudos aprofundados sobre sistemas educacionais em todo o mundo. Nascido na Romênia e de pais britânicos, foi autor de mais de 40 livros e de mais de 300 artigos, editor de diversas revistas acadêmicas, e lecionou em sua almae matres, as Universidades de Manchester, no Reino Unido, e Columbia, nos Estados Unidos.