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Building peace in the minds of men and women

Grande Angular

Quando frequentar a escola é um ato de fé

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A Escola Primária de Santa Bárbara, nas Filipinas, tornou-se palco de massacres após ser invadida por um grupo armado durante o cerco de Zamboanga, em setembro de 2013

Todos os ataques devem ser documentados, e deve-se tomar todas as medidas possíveis para garantir que a educação continue em momentos de conflito. O preço que as crianças pagam ao perder acesso às escolas é alto demais, escreve Brendan O’Malley.

Por Brendan O’Malley

A primeira escola que eu visitei em uma zona de conflito ativo ficava na encosta de uma colina que dava para uma planície, no Kosovo*, em 1999. Para chegar lá, tínhamos de dirigir por estradas rurais, passando por uma vila albanesa, onde esqueletos de casas ladeavam a estrada – muitos deles com telhados improvisados, e todos com marcas pretas de queimado acima das janelas.

As casas tinham sido queimadas por forças sérvias em retaliação às atividades do Exército de Libertação do Kosovo, o grupo armado rebelde que lutou pela independência do Kosovo. E, em muitas delas, membros das famílias agora moravam em um só cômodo escuro, ao redor de um forno doado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).

Com suas famílias, elas haviam morado na floresta por seis meses para fugir de retaliações e, depois das negociações, apenas recentemente puderam voltar à sua vila de origem. Os professores estavam trabalhando sem qualquer perspectiva de receber pagamento, para manter as aulas funcionando.

Enquanto entrevistava o diretor, ouviu-se um estampido muito alto do lado de fora, e o edifício inteiro tremeu. Uma granada havia sido lançada do outro lado da colina.

As I interviewed the headteacher, there was a loud thud outside and the whole building shook. A shell had landed on the other side of the hill.

“Eles fazem isso todos os dias, só para nos lembrar de que estão aqui”, explicou o diretor. “Mas nós seguimos em frente. A escola nos dá esperança”.

Um lugar seguro para se viver

Em tempos de conflito ou de crise, poder mandar seus filhos para a escola fornece aos pais e às comunidades a oportunidade de viver algo parecido com uma vida normal. Um local seguro para deixar os filhos enquanto trabalham. Um lugar que pode abrigar serviços essenciais, tais como vacinação, e onde é possível adquirir informações vitais sobre segurança como, por exemplo, como evitar minas terrestres. Porém, acima de tudo, é um meio de dar às crianças uma educação que lhes permitirá construir um futuro para si, para sua comunidade e para o país.

O contrário também vale. Quando escolas são destruídas em áreas de instabilidade, destrói-se junto a esperança – um medo de ir à escola e, na realidade, até mesmo de permanecer na área, pode se espalhar. As pessoas podem acabar fugindo em busca de segurança e, com isso, qualquer esperança de que haja educação desaparece.

Tivemos alguns exemplos chocantes da educação servindo de alvo nos últimos anos. Em abril de 2014, em Chibok, na Nigéria, militantes do Boko Haram sequestraram 276 meninas da Chibok Government Girls Secondary School, das quais mais de 100 ainda não foram libertadas (dado relativo a outubro de 2017, conforme as agências de notícias Reuters e France Presse).

Em outubro de 2016, ataques aéreos pró-governo no complexo escolar de Kamal Qal’aji na província de Idlib, na Síria, mataram três professores e 19 crianças, feriram 16 crianças e danificaram gravemente a escola, segundo as Nações Unidas (ONU).

Em junho de 2017, militantes plantaram bombas em volta de uma escola primária em Pigkawayan, nas Filipinas, ocuparam-na e fizeram moradores locais de reféns na escola.

Deixando para trás gerações inteiras 

O impacto imediato desses ataques pode incluir mortes e ferimentos em estudantes e funcionários, a destruição da infraestrutura, o fechamento de escolas e universidade, e traumas psicológicos.

Se forem duradouros – dado que, em média, conflitos em países pobres duram 12 anos –, os ataques, ou mesmo os danos colaterais, podem levar à interrupção prolongada, ao fechamento, à evasão permanente de estudantes e professores e ao impedimento da reconstrução.

Mesmo depois que um conflito acaba, pode-se levar anos para reconstruir as instalações destruídas e colocar o sistema educacional de volta nos trilhos, enquanto milhares de crianças perdem a oportunidade de ter educação.

Pesquisas da UNESCO demonstram que a metade das crianças em idade do ensino primário que estão fora da escola, moram em Estados afetados por conflitos, e a maioria não tem a chance de completar sua educação, “deixando para trás gerações inteiras”.

O último estudo mundial sobre os ataques à educação, Education under Attack 2014 – publicado pela Coalizão Mundial para Proteger de Ataques os Sistemas Educacionais (GCPEA) –, documentou que, ao longo de quatro anos, de 2009 a 2012, grupos armados não estatais, forças militares e de segurança do Estado, e grupos armados criminosos haviam atacado milhares de crianças em idade escolar, estudantes universitários, professores, acadêmicos e estabelecimentos de educação em pelo menos 70 países em todo o mundo.

Os ataques consistiram desde em jogar bombas ou queimar escolas ou universidades, até em assassinatos, ferimentos, sequestros ou prisões ilegais, detenções ou tortura de estudantes, professores e acadêmicos.

Nos seis países mais afetados – Afeganistão, Colômbia, Paquistão, Somália, Sudão e Síria –, o dossiê de 2014 documentou “mil ou mais ataques a escolas, universidades, funcionários e estudantes, ou mil ou mais estudantes, professores e outros funcionários da educação atacados, ou prédios escolares atacados ou usados com fins militares”.

O relatório Education under Attack também descobriu que as instalações de escolas e universidades foram usados para fins militares em 24 dos 30 países analisados.

Desde então, a ONU informou que, na Nigéria, estima-se que 1,5 mil escolas tenham sido destruídas desde 2011, com pelo menos 1.280 mortes, entre professores e estudantes. De acordo com a GCPEA, “nos piores casos, crianças foram feridas e mortas, e escolas danificadas ou destruídas, quando forças beligerantes atacaram as escolas por que as forças militares as estavam usando”.

Escolas e universidades tornam-se alvos por razões diferentes e, muitas vezes, múltiplas – seja para criar instabilidade, atacar o tipo de educação que se imagina ser oferecida, tomar o local para uso militar; ou, no caso da educação superior, para barrar expressões de posições políticas alternativas.


Fotógrafa nigeriana Rahima Gambo reflete sobre a volta dos estudantes a escolas que foram atacadas pelos militantes do Boko Haram, na Nigéria.

Todos os ataques devem ser documentados

O primeiro e mais essencial passo para lidar com o problema consiste em desenvolver um monitoramento efetivo para entender o que está acontecendo e por quais motivos.

Medidas preventivas podem ir desde oferecer proteção, como guardas de segurança ou a construção de um muro no perímetro, até enfrentar os motivos dos ataques, como garantir o acesso igualitário às escolas para minorias, ou permitir que essas minorias aprendam usando sua própria língua e estudem sua própria religião; ou contratar professores da comunidade étnica local, como ocorreu no sul da Tailândia.

As medidas de redução de impacto podem incluir a construção de escolas de concreto, em vez de madeira e palha, porque é mais difícil queimá-las, ou construir duas saídas em cada sala de aula, para que os estudantes tenham a chance de fugir, se militantes ou soldados tentarem entrar na sala para recrutá-los sob ameaça de armas de fogo.

No caso do uso militar de escolas, uma medida preventiva crucial consiste em persuadir os governos e os grupos armados não estatais a não usar as escolas para tais fins.

Medidas de dissuasão incluem o fim da impunidade legal pelos ataques e a garantia de que as forças e os grupos armados que perpetram esses ataques sejam responsabilizados.

Isso inclui listar os responsáveis pelo cometimento de violações graves contra crianças em conflitos – incluindo ataques a escolas e o recrutamento de crianças-soldados – no relatório anual do secretário-geral da ONU sobre essas violações para o Conselho de Segurança das Nações Unidas. Esses responsáveis devem traçar planos de ação para enfrentar e dar fim às violações ou receber sanções.

Atualmente, a GCPEA está à frente de uma campanha internacional para persuadir os países a assinarem a Declaração de Escolas Seguras (Safe Schools Declaration), pela qual eles firmam o compromisso de manter essas medidas. Em dezembro de 2017, a República Dominicana se tornou o 72º país a assiná-la (informação atualizada até 9 de janeiro de 2018).  

A representante especial do secretário-geral para Crianças e Conflito Armado (CAAC), Virginia Gamba, conclamou todos os Estados-membros da ONU a endossar e promover esse instrumento. A Declaração de Escolas Seguras “forneceu uma contribuição essencial para a promoção de medidas concretas de prevenção de ataques à educação. Simplesmente não podemos deixar que escolas em zonas de conflito se tornem alvos militares, disse Gamba ao apresentar o Relatório da CAAC durante a Assembleia Geral da ONU, em outubro de 2017.

* No âmbito da Resolução 1244 do Conselho de Segurança da ONU, de 1999.

Brendan O’Malley

Brendan O’Malley (Reino Unido), consultor e jornalista, é autor das publicações Education under Attack (2007, UNESCO) e Education under Attack 2010 (UNESCO), e foi pesquisador-chefe de Education under Attack 2014 (GCPEA). Foi editor e coautor da série Protecting Education in Countries Affected by Conflict (2012), do Education Cluster. Trabalhou junto a muitas organização internacionais em questões relacionadas a ataques à educação, bem como à educação superior para refugiados e comunidades afetadas por crises.