<
 
 
 
 
×
>
You are viewing an archived web page, collected at the request of United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO) using Archive-It. This page was captured on 21:07:22 Sep 28, 2020, and is part of the UNESCO collection. The information on this web page may be out of date. See All versions of this archived page.
Loading media information hide

Construir a paz nas mentes dos homens e das mulheres

Grande Angular

Povos indígenas: vulneráveis, mas resilientes

cou_03_20_degawan_website_photo_link.jpg

A woman tattooed according to the 1000-year-old Kalinga tradition, looks out of her window in the remote village of Buscalan in the Cordillera.

A crise mundial de saúde destacou a resiliência de algumas comunidades indígenas. Porém, acima de tudo, revelou a fragilidade dessas populações – cuja pobreza, desnutrição e acesso precário aos serviços de saúde os tornam particularmente vulneráveis a doenças infecciosas.

Minnie Degawan
Diretora do programa de Povos Tradicionais e Indígenas da organização Conservation International nos Estados Unidos.

Os povos indígenas sempre se isolaram do resto do mundo quando as circunstâncias assim exigiram. Por exemplo, na região administrativa de Cordillera, nas Filipinas, tal prática – conhecida como ubaya ou tengaw – é observada regularmente em pontos específicos do ciclo agrícola, a fim de permitir que o solo e as pessoas descansem.

Não é permitida a entrada ou a saída de ninguém da comunidade, incluindo membros da própria comunidade que, por acaso, estiverem fora após o anúncio do confinamento. Um amontoado de folhas é colocado em várias entradas e saídas para indicar que a comunidade está em ubaya. Isso é levado muito a sério por membros da comunidade e vizinhos – violar o fechamento significa chamar o desastre para toda a comunidade.

Os rituais que acompanham a ubaya são uma parte importante da resposta da comunidade. Eles não pretendem incutir medo ou chamar o mal, mas servem para fortalecer o senso de comunidade, uma vez que os anciãos clamam pela proteção de todos, inclusive da natureza. Rituais semelhantes – que enfatizam a necessidade de alcançar um equilíbrio entre o mundo espiritual e o físico – são realizados por anciãos em diferentes comunidades indígenas nas Filipinas, na Indonésia, na Malásia e na Tailândia para proteger seus vilarejos. Durante esses confinamentos, os membros da comunidade cuidam dos necessitados, oferecem ajudam a quem precisa e compartilham alimentos, incluindo batatas-doces secas que são armazenadas para tempo difíceis.

Pobreza e desnutrição

Essas práticas tradicionais têm ajudado as populações indígenas a lidar com as restrições do confinamento impostas pela epidemia da COVID-19, bem como a organizar sua sobrevivência. “Suas boas práticas de cura e conhecimentos tradicionais, como bloquear comunidades para impedir a propagação de doenças e determinar o isolamento voluntário, estão sendo seguidas em todo o mundo atualmente”, afirmou Anne Nuorgam, presidente do Fórum Permanente das Nações Unidas sobre Questões Indígenas (UNPFII).

No entanto, a crise de saúde também revelou a profunda vulnerabilidade dessas comunidades. As populações indígenas – que sofrem com a falta de centros de saúde e com o acesso insuficiente a serviços básicos, instalações sanitárias e medidas de prevenção essenciais, incluindo água potável, sabão e desinfetantes – são as mais atingidas pela marginalização socioeconômica que as coloca em uma situação de risco desproporcional durante emergências de saúde pública.

Sua contínua luta contra o desmatamento, a mudança climática e a perda dos meios de subsistência tradicionais os tornam particularmente vulneráveis a novas doenças infecciosas. A pobreza, a desnutrição e uma alta taxa de problemas de saúde preexistentes agravaram os riscos para essas populações – muitas das quais residem em lares multigeracionais, em estreita proximidade com seus parentes mais velhos.

Um teste para seu modo de vida

A pandemia apenas exacerbou os múltiplos problemas enfrentados pelas populações indígenas. No norte da Tailândia, por exemplo, os incêndios florestais são violentos, acrescentando pressões relativas à segurança alimentar e ameaças ao bem-estar físico. O povo Naga, no nordeste da Índia, enfrenta um aumento da discriminação devido à sua aparência física e a conceitos errôneos sobre o vírus. Os estudantes de Naga foram afastados de seus alojamentos e se tornaram sujeitos à violência unicamente por seus traços chineses. Os Dumagats, do sul da Ilha de Luzon, nas Filipinas, estão lidando com a escassez de alimentos enquanto tentam impedir que o governo construa as barragens de Kaliwa e Kanan em seu território. Uma história semelhante ocorreu no Equador, onde os mineradores continuam a atravessar territórios indígenas para extrair petróleo, apesar do confinamento.

No entanto, a crise atual está testando seu modo de vida. Muitas práticas e tradições culturais, que requerem reuniões e procissões para eventos como colheitas ou cerimônias de maioridade, foram colocadas de lado em nome da segurança dos mais velhos e dos mais vulneráveis.

Os esforços dos governos para responder às necessidades específicas das comunidades muitas vezes são superficiais, e não abordam os impactos de longo prazo sobre os meios de subsistência e sobrevivência dos povos indígenas considerados como populações distintas. Algumas medidas imediatas devem ser tomadas para garantir que os povos indígenas sejam “informados, protegidos e priorizados” durante a pandemia, destacou Nuorgam em um comunicado.

Um fator importante consiste em garantir que informações confiáveis e apropriadas sejam oferecidas nas línguas indígenas. “Os anciãos indígenas são uma prioridade para nossas comunidades, como nossos guardiões da história, das tradições e das culturas”, acrescentou a presidente da UNPFII. “Nós pedimos ainda que os Estados-membros garantam que os povos indígenas em isolamento voluntário e contato inicial exerçam seu direito à autodeterminação, e que sua decisão pelo isolamento seja respeitada”.

Qualquer intervenção ou plano deve colocar as comunidades indígenas no centro, em termos de sua capacidade de ação e de seus direitos. Esses povos demonstraram de modo enfático que, onde o conhecimento tradicional ainda é utilizado – e quando estão em pleno controle de seus recursos e exercendo livremente seu direito à autodeterminação –, eles são mais capazes de proteger a si mesmos, assim como a natureza e seus ambientes. Isso também é verdade diante de novos desafios.

Leia mais:

“Quando beber água, lembre-se da fonte”: línguas e conhecimentos indígenas (IYIL 2019), O Correio da UNESCO, jan./mar. 2019.

Escute a voz do lago, O Correio da UNESCO, abr./jun. 2018.

Meu rosto, minha terra, O Correio da UNESCO, jul./set. 2017.

 

Assine O Correio da UNESCO para artigos instigantes sobre assuntos contemporâneos. A versão digital é totalmente gratuita.

Siga O Correio da UNESCO: Twitter, Facebook, Instagram

 

Foto: Jacob Maentz