China: um laboratório móvel para explorar o fundo do oceano

O navio de pesquisa chinês Zhong Shan Da Xue é um gigantesco laboratório flutuante de última geração que ajudará os cientistas a conhecer as profundezas do mar. Uma de suas primeiras missões é estudar uma carcaça de baleia que foi descoberta recentemente.

Yu Weidong
Professor na Faculdade de Ciências Atmosféricas, da Universidade Sun Yat-sen, em Guangzhou, China, especialista em interação oceano–atmosfera, monções e variabilidade climática.

Em 18 de março de 2020, cientistas marinhos em uma expedição a bordo do navio de pesquisa Tansuo-1 fizeram uma descoberta extraordinária. A equipe, que tinha como um dos chefes o cientista Wei Xie, professor associado na Faculdade de Ciências Marinhas da Universidade Sun Yat-sen (SYSU), notou uma carcaça de baleia no Mar da Chi-na Meridional, 1.600 metros abaixo da superfície do mar.

Tal fato ocorre quando as baleias morrem e suas carcaças afundam até o fundo do mar, crian-do complexos ecossistemas das profundezas oceânicas. Essa repentina fonte alimentar con-centrada funciona como um oásis para a vida no fundo do mar, fornecendo sustento a orga-nismos desse habitat por anos, ou mesmo décadas.

Atualmente, existem menos de 50 carcaças naturais de baleia em todo o mundo, e essa é a primeira de seu tipo nesta área, segundo Wei. A carcaça da baleia, de aproximadamente 3,4 metros de comprimento, ainda tinha peixes rasgando sua cauda, o que indica que o animal morreu recentemente e, por isso, tem “valor de observação de longo prazo”, como explicou o cientista.

Essa descoberta é de grande importância porque ajudará a promover a pesquisa sobre como os ecossistemas marinhos sustentam a vida nas profundezas escuras do oceano, que permanecem amplamente inexploradas em todo o mundo. Compreender o processo de mudança da carcaça de baleia e os ecossistemas circundantes pode auxiliar nos esforços de conservação e no apro-veitamento de recursos da biodiversidade do fundo do mar. Explorar o fundo do oceano po-de nos ensinar a melhor forma de lidar com a mudança climática.

Explorar o fundo do oceano pode nos ensinar a melhor forma de lidar com a mudança climá-tica

Veículos operados remotamente

O desafio da observação de longo prazo da carcaça de baleia será uma das missões do navio de pesquisa Zhong Shan Da Xue. Lançado pela SYSU em 28 de agosto de 2020 e batizado com o nome de seu desenvolvedor, o navio de pesquisa faz parte do investimento em infraes-trutura do ambicioso programa da universidade para promover o seu cluster de ciência oceâni-ca desde 2015.

O maior navio de pesquisa oceanográfica da China, perdendo apenas para o navio de pesquisa Mirai, da Agência Japonesa de Ciência e Tecnologia Marinha e da Terra (JAMSTEC), o navio tem 114,3 metros de comprimento e 19,4 metros de largura, com uma peso total de 6.800 to-neladas. Com uma capacidade de cruzeiro de longa distância, de 15 mil milhas, o navio pode hospedar 100 pessoas – uma tripulação de 24 indivíduos e 76 membros da equipe científica – e está equipado para empreender expedições de 60 dias.

Com um laboratório estacionário e um grande espaço de convés, o tombadilho superior da embarcação é capaz de transportar mais 10 contêineres de laboratórios móveis. O avançado equipamento de pesquisa permite que os cientistas processem, testem e analisem amostras a bordo do navio de pesquisa. Também facilita a criação de um perfil de profundidade máxima dos parâmetros da água, assim como a amostragem geológica e geofísica do leito marinho.

A embarcação está equipada com veículos operados remotamente (remotely operated vehicles – ROVs), máquinas não tripuladas e com alta capacidade de manobras que são operadas re-motamente a partir do navio. Os ROVs são capazes de permanecer submersos por muito mais tempo do que os mergulhadores ou qualquer tipo de veículo submersível ocupado por huma-nos, o que facilita a realização de experimentos detalhados e a coleta de amostras do fundo do oceano.

O navio de pesquisa é o primeiro na China a contar com um radar meteorológico avançado, uma ferramenta poderosa para estudar a forte convecção e as chuvas intensas sobre o oceano, o que é fundamental para compreender e prever condições meteorológicas extremas sobre o continente. O navio de pesquisas também conta com um convés de pouso para helicópteros e drones, o que reforça o seu apoio logístico.

Sondagem do abismo

Uma vez em operação, em 2021, a pesquisa realizada pela embarcação vai complementar a observação por satélite, que é forte em cobertura espacial ampla, mas fraca em penetração ver-tical, quando se trata de sondar as profundezas do oceano.

O Mar da China Meridional abriga seu próprio sistema regional de monções, que é um dos sistemas climáticos mais complexos e menos compreendidos do mundo. Também desempenha um papel na troca de água entre o Pacífico, através do Estreito de Luzon, e o Oceano Índico, por meio da Indonesian Throughf-Flow (ITF), uma corrente oceânica que influencia o clima global. Todos esses ambientes contribuem para que o Mar da China Meridional se torne um local perfeito, apresentando uma diversidade biológica e ecológica das mais ricas do mundo.

Até agora, a pesquisa relacionada ao oceano relacionada ao Mar da China Meridional tem sido essencialmente limitada às zonas costeiras, devido à falta de recursos para navios científicos. Isso impediu que os países localizados às suas margens desenvolvessem capacidades para a gestão sustentável do oceano. O recém-comissionado navio de pesquisa vai proporcionar no-vas oportunidades para a pesquisa multidisciplinar e a exploração em alto-mar do desconheci-do Mar do Sul da China.

Uma função crucial do navio de pesquisa é a sua pesquisa e o treinamento, com uma parte significativa do tempo do navio destinado a treinamento a bordo e em cruzeiro. Isso faz parte dos programas universitários da SYSU em vários níveis.

Uma parte significativa do tempo do navio será destinada à pesquisa e ao treinamento

Uma sala de aula flutuante

INos últimos cinco anos, os estudantes de graduação e pós-graduação da universidade partici-param de seis cursos de treinamento em cruzeiro. Isso incluiu um cruzeiro de um mês a bordo do navio de pesquisa Shen Kuo, uma embarcação contratada pela SYSU em 2019. Os estu-dantes analisaram a interação ar–mar durante as monções sobre a plataforma continental norte do Mar da China Meridional. Isso foi feito por meio da observação da camada-limite atmosfé-rica com o uso de sondagem GPS e drones.

Espera-se que os programas de treinamento recebam um impulso quando a nova sala de aula no mar entrar em operação. Eles também estarão abertos a estudantes dos países localizados às margens do Mar da China Meridional.

Ao longo da próxima década, a SYSU pretende oferecer cruzeiros no novo navio de pesquisa, que se concentrará no Experimento de Monções no Mar da China Meridional, na vida no fun-do do oceano e no estudo de ecossistemas. O desafio da falta de dados relacionados ao Mar do Sul da China deverá ser resolvido nos próximos anos.

Este laboratório móvel ajudará os países vizinhos a complementar e ampliar seus estudos cos-teiros e próximos à costa para áreas oceânicas mais profundas e em alto-mar, a fim de obter uma compreensão mais completa sobre o oceano. Esforços regionais para enfrentar a mudança climática, tais como ondas de calor oceânicas, acidificação, desoxigenação, condições meteo-rológicas extremas e desastres climáticos serão apoiados por este navio.

Grande parte do tempo do navio será dedicado à cooperação regional, particularmente sob a égide da Década das Nações Unidas da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável (2021-2030). Seu objetivo consiste em inspirar os jovens, que poderão vir a ser oceanógra-fos no futuro.

Leia mais:

Compreender o oceano, O Correio da UNESCO, abr./jun. 2017

From fish scales... to sunken treasures, The UNESCO Courier, Jul./Aug. 1998

Satellites scan the ocean: modern technology in the service of oceanography, The UNESCO Courier, Feb. 1986

Assine O Correio da UNESCO para artigos instigantes sobre assuntos contemporâneos. A versão digital é totalmente gratuita.

Siga O Correio da UNESCO: Twitter, Facebook, Instagram