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Refugiados: a contestação dos preconceitos

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Maombi Samil, um refugiado de 24 anos da República Democrática do Congo, faz máscaras em sua pequena empresa no campo de Kakuma, no Quênia.

Noções preconcebidas amplamente difundidas sobre os refugiados da África – de que são todos candidatos em potencial à imigração para a Europa, América do Norte ou Australásia; que as sociedades de acolhimento são sempre hostis aos migrantes; que os refugiados inevitavelmente criariam competição pelos escassos empregos necessários aos cidadãos de suas comunidades de acolhimento – são amplamente refutados por estudos de campo.  

Alexander Betts
Professor de Migração Forçada e Assuntos Internacionais da Universidade de Oxford, no Reino Unido.

Atualmente, há mais pessoas deslocadas por conflitos e perseguições do que em qualquer momento desde a Segunda Guerra Mundial – 82 milhões, com 26 milhões tendo cruzado uma fronteira como refugiados. No entanto, em meio à politização do asilo e da imigração, tanto nos países ricos quanto nos pobres, cada vez mais os refugiados enfrentam desafios para ter acesso à proteção internacional. Parte do problema decorre da desinformação. A mídia e os políticos por vezes distorcem a percepção pública, retratando os refugiados como um fardo inevitável para as comunidades de acolhimento.

Em meu livro mais recente, The Wealth of Refugees: How Displaced People Can Build Economies (A riqueza dos refugiados: como as pessoas deslocadas podem construir economias, em tradução livre), publicado em 2021, defendo uma abordagem baseada em evidências para as políticas relativas a refugiados. Com fundamento em uma ampla pesquisa quali-quantitativa na África Oriental – incluindo uma pesquisa original com mais de 16 mil refugiados e membros das comunidades de acolhimento em acampamentos e cidades na Etiópia, no Quênia e em Uganda –, eu argumento que, dadas políticas inclusivas, é possível que os refugiados sejam e sejam percebidos como contribuintes para suas comunidades de acolhimento. Recorro a essa pesquisa para contestar cinco mitos populares sobre os refugiados africanos. 

Mobilidade: “Refugiados da África virão todos para a Europa”

Nas regiões ricas do mundo, há uma percepção comum de que todos os refugiados querem ir para a Europa, para a América do Norte ou para a Australásia. A realidade da mobilidade dos refugiados é bastante diferente. Os países de renda baixa e média acolhem 86% dos refugiados de todo o mundo, e nove em cada dez dos principais países de refugiados estão no localizados no Hemisfério Sul. 

É verdade que são grandes as aspirações de se mudar para países ricos. Contudo, muitos também reconhecem que isso não é uma opção realista. Por exemplo, em Adis Abeba, mais de 95% dos refugiados têm esperança de se mudar para um terceiro país. No entanto, mais da metade reconhece que isso provavelmente não é realista em um futuro próximo.

No Quênia, embora um número significativo de refugiados mude de residência em determinado ano, a maior parte dos deslocamentos é interna. Para aqueles que se deslocam no âmbito internacional, a maior parte dos deslocamentos ocorre dentro da África Oriental para a vizinha Uganda, ou por meio de realocações organizadas, como a repatriação ou o reassentamento. Apenas uma pequena proporção – muito abaixo de 1% ao ano – se desloca em âmbito inter-regional para a Europa ou para outros países ricos.

A implicação é que precisamos reconhecer que a maioria dos refugiados são – e continuarão a ser – acolhidos por países de renda baixa e média em suas regiões de origem.

Coesão social: “As comunidades de acolhimento são inevitavelmente hostis aos refugiados” 

Existe um pressuposto comum de que as comunidades de acolhimento inevitavelmente consideram a presença de refugiados como um fardo. No entanto, com as políticas certas, por vezes os refugiados são vistos de forma positiva. Em algumas regiões fronteiriças remotas, a presença de refugiados e de organizações humanitárias pode ser uma das poucas fontes de empregos e mercados. Para a comunidade Turkana do Quênia, por exemplo, a presença dos campos de refugiados de Kakuma oferece um mercado para sua lenha e seu gado, oportunidades de emprego e acesso a escolas e clínicas.

Em todos os países que enfocamos, descobrimos que o mais importante para as comunidades de acolhimento é a qualidade da interação econômica. As pessoas com atitudes mais positivas em relação aos refugiados tendem a ser aquelas que se beneficiam em termos econômicos de sua presença. Também descobrimos que o contato faz a diferença – níveis mais altos de interação de grupos estão fortemente associados a atitudes mais positivas da comunidade de acolhimento, em particular nas cidades. Além disso, as atitudes da maioria das pessoas em relação aos refugiados estão fortemente correlacionadas com as de suas famílias e vizinhos – o que sugere que as atitudes são formadas no seio das comunidades imediatas.

A implicação é que as comunidades de acolhimento podem receber bem os refugiados, e há políticas que podem ser adotadas para fortalecer a inclusão. Em suma, as políticas de refugiados também precisam apoiar as comunidades de acolhimento, assim como a relação entre refugiados e anfitriões.  

Direito ao trabalho: “Os países de acolhimento perdem ao permitir que os refugiados trabalhem” 

Segundo as leis internacionais de refugiados e de direitos humanos, os refugiados têm direitos socioeconômicos. Estes incluem o direito ao trabalho e à liberdade de circulação. No entanto, muitos países de acolhimento de refugiados impõem restrições a esses direitos. Eles fazem isso por acreditar que permitir que os refugiados trabalhem criará tensão com a comunidade de acolhimento. O resultado disso é que os refugiados em países como o Quênia e a Tanzânia têm de permanecer muitos anos em campos de refugiados, sem acesso a empregos. As evidências sugerem que isso tem consequências negativas sobre os direitos e o bem-estar dos refugiados, e que também pode ser ruim para os países de acolhimento.

Uganda é um dos poucos países africanos que permite que os refugiados trabalhem e escolham seu local de residência. Essa abordagem traz benefícios significativos para eles. Em Uganda, os refugiados têm uma renda 16% mais alta do que os do país vizinho, o Quênia. 

Há evidências de que tais políticas beneficiam não apenas os refugiados, mas também os cidadãos do país de acolhimento. Por exemplo, em Kampala, a capital de Uganda, descobrimos que cerca de 21% das famílias de refugiados têm um negócio que emprega pelo menos uma pessoa de fora, e que 40% de seus funcionários são nacionais do país de acolhimento. Para muitos ugandeses, os refugiados contribuem para a economia como produtores, consumidores e empresários.

A implicação é que precisamos promover e incentivar ativamente o direito e a oportunidade para que os refugiados trabalhem, não importa onde eles estejam.

Cidades versus campos: “Os refugiados estão sempre em melhor situação nas cidades do que nos campos”

Refletindo a tendência mundial mais ampla de urbanização, a maior parte dos refugiados está agora nas cidades. No entanto, esse não é o caso da África Subsaariana, onde a grande maioria dos refugiados registrados se encontra em locais semelhantes a campos. Segundo o UNHCR, a Agência da ONU para os Refugiados, no Quênia, apenas 16% dos refugiados estão na capital, Nairóbi, 6% dos refugiados de Uganda encontram-se em Kampala, e 4% dos refugiados na Etiópia estão em sua capital, Adis Abeba. A distribuição urbano-rural reflete as restrições governamentais, a disponibilidade relativa de assistência quanto ao emprego e as preferências dos refugiados. 

Em geral, a composição dos grupos urbanos e dos campos é diferente. Os que vivem nas cidades tendem a ser mais velhos e do sexo masculino, e os que estão nos campos tendem a ser mais jovens e do sexo feminino. Por vezes, os refugiados dividem suas famílias, com os que podem trabalhar se mudando para a cidade, e os que precisam de assistência ou têm responsabilidades familiares permanecendo nos campos. 

Nossa pesquisa na África Oriental revela três percepções principais. Em primeiro lugar, os refugiados ganham mais, têm maior número de posses e trabalham mais na cidade, mas não são necessariamente mais felizes, mais saudáveis ou mais bem alimentados do que aqueles que vivem em ambientes semelhantes aos de campos. Em segundo lugar, as comunidades de acolhimento em geral são mais positivas em relação aos refugiados nas áreas rurais do que em ambientes urbanos. Em terceiro lugar, há um deslocamento temporário e permanente entre os campos e as cidades em ambas as direções.

A implicação dessas percepções é que, para os refugiados, a residência urbana não é intrinsecamente melhor do que a rural – e vice-versa. Cada opção representa uma escolha limitada, com vantagens e desvantagens relativas. As políticas para refugiados devem se centrar na melhoria do acesso a direitos, tanto em contextos urbanos como rurais.

Política: “A assistência aos refugiados é totalmente humanitária”

A proteção e a assistência aos refugiados muitas vezes são vistas como atos puramente humanitários. O direito internacional e a defesa de interesses certamente desempenham um papel importante na definição da proteção aos refugiados. No entanto, também é importante reconhecer que a assistência aos refugiados ocorre no contexto de políticas complexas e geralmente ambíguas.

A política dos direitos dos refugiados é evidente ao examinar o que motiva até mesmo os mais progressistas e generosos países de acolhimento de refugiados. Por exemplo, a amplamente elogiada política de autossuficiência de Uganda deve ser entendida em um contexto histórico ou político. Longe de ser uma criação recente, tal política surgiu ao longo do tempo com o apoio de sucessivos presidentes. 

A implicação é que as organizações humanitárias internacionais devem estar cientes quanto ao contexto político em que ocorre a proteção aos refugiados. Em vez de simplesmente confiar na defesa de interesses, são necessárias diversas estratégias e incentivos para promover os direitos dos refugiados em diferentes países.

Migrantes, refugiados ou pessoas deslocadas?

Imigrantes laureados com o Nobel indicam o caminho

Leia mais:

Migrant AfricaThe UNESCO Courier, Jan. 1992

 

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