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Smartphones: uma bússola indispensável no caminho ao exílio

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Um caderno, uma bolsa e um telefone celular é tudo o que Saeed, de 25 anos, trouxe consigo quando fugiu do Sudão para a França. Da série In the bag of refugees (Na bolsa de refugiados), do fotojornalista francês Maxime Reynié.

Os smartphones se tornaram essenciais para a sobrevivência de migrantes e refugiados, permitindo que mantenham contato com suas famílias, busquem ajuda financeira nos momentos de necessidade e encontrem as informações de que precisam para continuar suas viagens, geralmente perigosas. Um estudo conduzido pelo autor em Fez, no Marrocos, destaca a importância crucial das tecnologias móveis em todas as fases do caminho..  

Moha Ennaji
Linguista, autor e ativista, é presidente e cofundador do Instituto Internacional de Línguas e Culturas (INLAC) e professor de linguística e estudos culturais na Universidade Sidi Mohamed Ben Abdellah, em Fez.

“Por vezes, eu tenho de escolher entre comer e ter conexão à internet, para manter contato com minha família no meu país. Quando preciso de dinheiro, ligo para eles via WhatsApp, e eles me enviam a quantia muito rapidamente”. É assim que Mamadou, um nigerense de 22 anos, resume o papel fundamental que os smartphones desempenham agora na vida dos migrantes. O fato de os refugiados gastarem até um terço de seu orçamento com acesso à internet – segundo o escritório da Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) em Rabat – é uma prova da importância desses dispositivos portáteis.  

Os refugiados chegam a gastar até um terço de seu orçamento com acesso à internet

Quando os migrantes deixam seus países de origem, eles ficam totalmente dependentes de seus telefones celulares. Os smartphones e tablets têm um impacto significativo sobre suas experiências em todas as fases de sua jornada. Foi essa a conclusão do trabalho de campo que conduzi entre 2017 e 2019, em Fez – juntamente com Filippo Bignami, um pesquisador sênior e professor da Universidade de Ciências Aplicadas e Artes do Sul da Suíça (Supsi), em Lugano – com refugiados e migrantes ilegais da Síria, da Líbia e da África Subsaariana.

Desde meados da década de 2000, o Marrocos, que por muito tempo foi uma terra de emigração, tornou-se um local de trânsito e acolhimento para um grande número de migrantes da África Subsaariana – principalmente dos seguintes países: Congo, Costa do Marfim, Mali, Nigéria e Senegal. Essas pessoas têm esperança de chegar à Europa, seja pelos enclaves espanhóis de Ceuta e Melilla, ou pelas Ilhas Canárias, antes de cruzar o Mediterrâneo ou o Oceano Atlântico. Embora geralmente considerem sua estadia no Marrocos como uma simples escala, muitos migrantes acabam ficando meses, ou mesmo anos, em condições difíceis.

Cooperação e apoio mútuo

As pessoas que entrevistamos tinham diferentes níveis de escolaridade, o que influenciou sua “alfabetização digital”, ou seja, sua capacidade de aproveitar as oportunidades disponíveis na internet e nas redes de tecnologia móvel.

Não foi surpresa termos descoberto que os smartphones oferecem suporte aos fluxos migratórios, fornecendo informações online aos migrantes, o que conduz à viagem – muitas vezes influenciando sua motivação para partir, a escolha de rotas e destinos finais e, em seguida, ao longo de toda a viagem.

Os aparelhos também facilitam a cooperação e o apoio mútuo entre os migrantes. Os migrantes ilegais tendem a ser mais dependentes de fontes de informação não oficiais – especialmente informações fornecidas por contrabandistas.

Os contrabandistas têm a vantagem de conhecer as rotas, as passagens de fronteira e os procedimentos de visto. Os migrantes com quem conversamos disseram ter recebido informações precisas de contrabandistas, que muitas vezes utilizam as redes sociais para prestar assistência durante a viagem.

Regis, um camaronês de 23 anos, seguiu as instruções de seu contrabandista por meio de mensagens de texto de seu país de origem até chegar em Fez. No entanto, alguns migrantes se recusam a contar com os serviços de contrabandistas e preferem continuar a viagem utilizando aplicativos de navegação como GPS e o Google Maps.

Um vínculo reconfortante com os entes queridos

Para aqueles que são levados a seguir as rotas de migração incertas e muitas vezes perigosas, os telefones celulares também são – talvez acima de tudo – um vínculo reconfortante com os entes queridos que ficaram para trás. Estes se mantêm informados sobre as condições da viagem por meio de mensagens e fotos trocadas por meio de WhatsApp, Messenger, Telegram ou Facebook.

Em muitos casos, o apoio moral prestado pelas famílias é acompanhado de apoio financeiro – o que frequentemente determina se a jornada continua ou não. Os recursos fornecidos pela família costumam ser transferidos diretamente, por meio de tecnologia móvel. “Sem meu smartphone e as redes sociais, me eu sentiria mais excluída e isolada”, diz Yaya, uma guineense de 22 anos. “Eu o uso para pedir ajuda a meus amigos e para manter contato com minha família”.

No entanto, as novas tecnologias não oferecem proteção contra todos os riscos associados à migração ilegal. Nossa pesquisa revelou que os potenciais migrantes mais bem informados não são necessariamente mais bem-sucedidos em chegar ao destino desejado. Apesar de seus esforços, eles também são suscetíveis a roubos e agressões, ou sujeitos a dispositivos de segurança que os fazem regressar quando alcançam uma fronteira – em muitos casos, obrigando-os a permanecer no país de trânsito.

Os potenciais migrantes mais bem informados não são necessariamente mais bem-sucedidos em chegar ao destino desejado

As novas tecnologias podem também ser fonte de informações falsas e rumores, os quais podem influenciar as escolhas dos potenciais migrantes. Ibrahima, um costa-marfinense de 23 anos, decidiu abandonar seu país depois de ler na internet que, assim que chegasse no Marrocos, ele seria enviado a um país europeu como requerente de asilo que frequentava a escola. Depois de perceber que isso não aconteceria, ele arriscou a vida todas as noites tentando entrar em um caminhão com destino à Espanha. Histórias como essa são bastante comuns entre os migrantes ilegais.

Aqueles que conseguem chegar ao seu destino também podem contribuir para influenciar futuros migrantes, compartilhando informações e imagens sobre sua nova vida por meio de aplicativos de mensagens e das redes sociais.

Leia mais:

Construir vidas novas, usando tecnologia móvel, O Correio da UNESCO, out./dez. 2018
Existe alternativa para a fuga de cérebros da África?, O Correio da UNESCO, jan./mar. 2018
The South goes mobile, The UNESCO Courier, Jul./Aug. 2000 

 

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