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A proteção de cetáceos no Yangtzé

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Com apenas 1.012 indivíduos que ainda vivem na natureza, em 2017, o boto-do-índico foi listado como criticamente ameaçado na Lista Vermelha da IUCN.

Desde que Qi Qi, um golfinho de água doce e último baiji conhecido, morreu em cativeiro em 2002, acredita-se que o golfinho de focinho comprido e barriga branca do Rio Yangtzé esteja extinto.
O autor, um importante especialista em baijis e secretário-geral do Comitê Nacional da China para o Programa O Homem e a Biosfera (MAB) da UNESCO, descreve os esforços do governo chinês para garantir que outros cetáceos de água doce ameaçados, como o boto-do-índico, não tenham o mesmo destino.  

Wang Ding
Professor do Instituto de Hidrobiologia (HIB) da Academia Chinesa de Ciências, também é membro da Comissão de Sobrevivência das Espécies da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN-SSC), do Grupo de Especialistas em Cetáceos e do Comitê Nacional Chinês para a organização Diversitas.

Como parte do meu trabalho no Instituto de Hidrobiologia de Wuhan, desde 1982, eu passei 20 anos com Qi Qi [pronuncia-se “tchi tchi”], o único baiji (golfinho-lacustre-chinês ou golfinho-branco) do Rio Yangtzé cativo do mundo (Lipotes vexillifer, “o porta-bandeira que foi deixado para trás”). 

Resgatado de uma rede de pesca em 1980, após ter sido acidentalmente caçado quando tinha apenas 2 anos de idade, o ferido Qi Qi viveu no Dolfinário de Wuhan por mais de duas décadas. A morte deste “fóssil vivo” por velhice, em 2002, foi um choque emocional, para mim pessoalmente. Eu não conseguia aceitar que a espécie, que se acredita ter florescido no Yangtzé por mais de 20 milhões de anos, pudesse em breve ser rotulada como “extinta”. 

A morte deste “fóssil vivo” foi um choque emocional, pessoalmente 

Reverenciado na China como a “deusa do Yangtzé”, o baiji foi descrito no Erya, o mais antigo dicionário chinês, que remonta a 200 a.C. Isso apenas fortaleceu a nossa determinação para proteger os animais semelhantes a Qi Qi, antes que desapareçam por completo. Infelizmente, descobrimos que já era tarde demais.

Uma espécie única

Em 2006, liderei uma expedição de 39 dias para vasculhar o Rio Yangtzé em busca de qualquer vestígio dos últimos baijis remanescentes. Uma equipe com mais de 60 importantes biólogos marinhos – dos seguintes países: China, Japão, Suíça, Alemanha, Reino Unido, Canadá e Estados Unidos – usou as técnicas de detecção mais avançadas disponíveis na época, mas não conseguiu encontrar um único baiji. Um ano depois, o gracioso animal foi declarado funcionalmente extinto pelas Cartas de Biologia (Biology Letters) da Royal Society of Biology, do Reino Unido. 

Embora continuem a ser relatados avistamentos não confirmados de baijis, há pouquíssimas chances de que este golfinho de focinho comprido – que depende de um sonar em vez dos olhos para navegar nas águas turvas do rio – volte a ser encontrado. 

Este golfinho de água doce único, que nos tempos antigos se acreditava proteger pescadores e barqueiros ao longo do curso de 1,7 mil quilômetros, que vai da China central até o Pacífico, foi encontrado apenas nos cursos médio e inferior do Yangtzé e em seus grandes lagos interligados.

Segundo estatísticas incompletas, as atividades humanas foram culpadas por 90% das mortes conhecidas de baijis antes de 1985. A pesca industrializada, a sobrepesca ilegal e prejudicial, e o aumento desenfreado de navios porta-contêineres, barcaças de carvão e lanchas, são as principais causas do declínio da população de golfinhos no rio e da redução do seu alcance ao longo das últimas décadas.. 

Falando em termos científicos, o papel dos golfinhos fluviais como um indicador é particularmente importante, pois pode ser utilizado para monitorar a condição e as tendências da biodiversidade de água doce nos rios. 

Proteger o “rio da vida”

Outro cetáceo do Yangtzé, o boto-do-índico (Neophocaena asiaeorientalis ssp. Asiaeorientalis), compartilha quase os mesmos habitats que o baiji e, portanto, enfrenta as mesmas ameaças. Também conhecidos como “sereias do Yangtzé”, esses cetáceos menores – que não têm propriamente uma nadadeira dorsal, mas uma pequena crista dorsal nas costas – foram listados como criticamente ameaçados pela Lista Vermelha da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN). Apesar dos esforços de preservação, seu número tem diminuído rapidamente, com apenas 1.012 indivíduos ainda vivendo na natureza, em 2017

No entanto, há esperança. Ao longo das últimas décadas, a gestão ambiental das administrações locais melhorou significativamente. Embora o desenvolvimento econômico da China tenha tido prioridade na década de 1980, o governo e as autoridades locais começaram a perceber seu impacto ambiental nas décadas seguintes e passaram a tomar medidas para proteger o meio ambiente. 

O rio mais longo a atravessar um único país, e o terceiro mais longo do mundo, o Yangtzé é conhecido como o “rio da vida” por razões óbvias. Representando 40% da água doce da China, ele é literalmente a fonte de vida para milhões de pessoas e para a vida selvagem, como o esturjão antigo, os macacos-de-nariz-arrebitado (Rhinopithecus) e os pandas-gigantes. Sua bacia de drenagem abrange apenas um quinto da área terrestre da China, mas produz até um terço do PIB do país.

Para restaurar o ecossistema e preservar a biodiversidade, foi introduzida em janeiro de 2021 uma moratória de pesca de dez anos em todos os cursos d’água naturais ao longo do Rio Yangtzé . Dois meses depois, em março, entrou em vigor a Lei de Proteção do Rio Yangtze, fortalecendo ainda mais a proteção ecológica e a restauração da bacia hidrográfica. Além de promover a implementação da proibição da pesca no âmbito legislativo, a nova lei enfatiza a necessidade de que se tenha um desenvolvimento socioeconômico sustentável nos âmbitos nacional e regional.

Uma moratória de pesca de dez anos ao longo do Yangtzé foi introduzida para restaurar o ecossistema

Um elevado estado de preservação

Nove reservas naturais nacionais e locais – algumas delas abrangendo seções fluviais e reservas seminaturais ex situ – também foram estabelecidas ao longo do rio, para a preservação dos golfinhos de água doce. Originalmente estabelecida no século passado como um santuário para os baijis, a Reserva Natural Tian-e-Zhou Oxbow – um braço morto (ou lago em ferradura) de 21 quilômetros descrito como “um Yangtzé em miniatura” –, uma área de pântanos perto de Shishou, na província de Hubei, atualmente abriga cerca de cem botos-do-índico. Esses animais se beneficiam de medidas de preservação ex situ originalmente concebidas para os baijis.  

Em um grande impulso para os mamíferos criticamente ameaçados, em fevereiro de 2021, o governo chinês atualizou a proteção desses botos do Yangtzé para espécie protegida de primeiro nível – o nível de proteção mais elevado para animais selvagens do país.

Atualmente, quase 20 anos após a morte de Qi Qi, mais de 20 organizações não governamentais (ONGs) estão envolvidas na proteção de seu primo menor. A participação do público tem sido estimulada, com voluntários locais patrulhando dia e noite ao longo dos cursos médio e inferior do rio e nas áreas dos Lagos Poyang e Dongting para proteger os botos-do-índico.  

Em uma tentativa de preservar a cultura imaterial local, estão sendo envidados esforços para assegurar que a memória local, a cultura tradicional sob a forma de lendas e contos populares, e o conhecimento ecológico dos baijis sejam mantidos vivos. Histórias sobre Qi Qi são publicadas e lidas por crianças de toda a China. Tenho esperança de que as memórias desses golfinhos elegantes e únicos permanecerão para sempre. 

Leia mais:

Water schools shed light on Yangtze pollution, The UNESCO Courier, Apr. 2009.
The Yangtze, or a journey through time, The UNESCO Courier, Mar. 2009.

 

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